DISTÚRBIOS DE DIFERENCIAÇÃO SEXUAL – O DRAMA POUCO CONHECIDO
Quando uma criança nasce, geralmente é fácil distinguir a que sexo pertence. A grande questão, é quando a criança apresenta na sua genitália, características femininas e masculinas que torna difícil definir se trata-se de menino ou menina.
Segundo Sheila Mabote, Médica Geneticista do Hospital Central de Maputo (HCM) quando esta questão não pode ser definida à partida, está-se perante um caso de distúrbio de diferenciação sexual.
Sheila, aponta outros tipos de distúrbios de diferenciação sexual, como o desenvolvimento puberal ausente, incompleto ou atípico, onde o individuo chega a adolescência e não desenvolve características sexuais secundárias esperadas para o sexo do qual foi criado.
Esta anomalia, considerada rara, chega a ser interpretada em alguns círculos culturais, como sendo de origem obscurantista, no entanto, a Especialista sossega afirmando tratar-se de um problema com explicação científica e solução.
Outro grande grupo de alterações que se manifesta por ambiguidade genital, é quando ocorre erro na produção, metabolização ou acção dos hormônios responsáveis pela diferenciação sexual.
Quando um feto do sexo masculino apresenta alguma das alterações acima mencionadas, este pode nascer com a genitália externa feminina ou com graus diferenciados de genitália ambígua.
De acordo com Sheila Mabote, o que pode levar a equipe médica a suspeita desta condição, é a presença de massa palpável nos grandes lábios, que pode corresponder ao testículo. Por outro lado, quando um feto feminino é exposto a níveis elevados de androgénios, a genitália externa pode virilizar e se tornar masculina, excepto casos em que não se apalpam os testículos da bolsa escrotal.
Neste último caso, segundo sublinha, está-se diante de uma condição denominada hiperplasia adrenal congénita dai ser de grande importância que o diagnóstico seja feito ainda nos primeiros dias de vida, pois nas formas perdedoras, esta condição pode levar à morte, ainda no período neonatal.
A Geneticista sublinha que, se no período crítico de desenvolvimento da genitália externa, durante a gestação houver excesso de androgénios na circulação materna por uso de alguma substância virilizante, hiperplasia adrenal congénita não controlada da própria gestante ou um tumor produtor de andrógenos e nos caso em que, o feto em desenvolvimento for menina, essa testosterona vai conduzir a virilização da genitália externa feminina ou ambígua, fazendo com que se pareça um menino, com genitália interna feminina com ovários, trompas uterinas e útero normais.
De acordo com a Médica, existe também o grupo de distúrbios de diferenciação sexual ovário-testicular, que também pode cursar graus variados de ambiguidade genital. Nesta situação, encontra-se tecido ovariano e testicular no mesmo indivíduo, podendo ser na mesma gónoda ou cada uma de um lado.
Acrescenta que, em algumas situações, o problema é despoletado durante o desenvolvimento da criança, mas, na maior parte das vezes, a família opta por manter o problema em sigilo na esperança de vê-lo corrigido ao longo do tempo. Nestas situações, chega-se ao diagnóstico na fase adulta, quando o individuo procura por ajuda alegadamente por problemas de infertilidade.
Outro grupo não menos importante que pode conduzir aos distúrbios de diferenciação sexual de acordo com Sheila, são as anomalias dos cromossomas sexuais.
As mais comuns segundo explica, são a síndrome de Turner, também conhecida como monossomia do cromossoma X, em que ao invés dos dois cromossomas X habituais, a mulher apresenta apenas um. Esta condição afecta apenas meninas e é caracterizada por baixa estatura, ausência e/ou atraso no desenvolvimento puberal, para além da infertilidade secundária a anormalidades da genitália feminina interna. Por outro lado, temos a síndrome Klinefelter, condição que afecta indivíduos do sexo masculino e que é a causa de 1 a 3% de infertilidade nos homens. Os portadores desta condição apresentam alta estatura, deposição ginecóide de gordura, frouxidão ligamentar.
A diferenciação sexual, é uma urgência de caracter social pois, segundo sublinha a Médica, é constrangedor para um profissional de saúde que não esteja preparado para lidar com esta situação, não estar em altura de definir, à partida, a que sexo a criança pertence logo à nascença.
Por outro lado, as famílias também enfrentam o grande desafio pois, necessitam de registar e educar a criança, de acordo com as normas aceitáveis para o género atribuído, isto é, menina ou rapaz. De acordo com a Médica, essa escolha, nunca deve ser imposta pela equipa multidisciplinar que faz o seguimento deste indivíduo, mas a família deve ser informada das implicações de cada uma das escolhas e do potencial reprodutivo que este indivíduo apresenta.
O disgnóstico dos distúrbios de diferenciação sexual de acordo segundo explica Sheila Mabote, depende da causa de base, podendo-se recorrer a alguns exames de imagem, para aferir como está a estrutura da genitália interna, ou verificando o padrão das hormonas predominantemente masculinas ou femininas sendo que, o cariótipo, é o exame de extrema importância para definição do sexo genético/cromossómico.
O tratamento também varia em função da origem, podendo ser cirúrgico ou por terapia de reposição hormonal para homens com insensibilidade parcial aos androgénios, recorrendo-se para estes casos, ao uso de testosterona para promover crescimento adequado do pénis, bem como o surgimento dos caracteres sexuais secundários como barba, voz grave, fortalecimento da massa muscular e óssea, entre outras. Para as mulheres com infantilismo genital, faz-se reposição de estrogénio para permitir o crescimento das mamas, surgimento da menstruação e todas características esperadas num individuo do sexo feminino.
Sheila, sublinha que, existem muitas outras situações que podem levar ao surgimento dos distúrbios de diferenciação sexual. Dada a complexidade e frequência elevada destes casos no Ambulatório de Genética do HCM, foi criado um grupo de discussão multidisciplinar, composta por nove especialidades, das áreas de Genética, Ginecologia e Obstetricia, Endocrinologia Pediátrica e de Adultos, Cirurgia Pediátrica, Radiologia, Anatomia Patológica, Psicologia e Urologia. O objectivo deste grupo, é estabelecer um fluxograma de diagnóstico, seguimento e harmonização das estratégias de tratamento destas patologias.
A Médica termina lançando um apelo aos colegas de profissão principalmente aos que trabalham em maternidades, para que façam uma avaliação cuidadosa aos recém-nascidos de modo a aferir se não apresentam alguma anomalia na sua genitália externa.
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